ALTERAÇÕES SISTÊMICAS ASSOCIADAS À CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
(CEC)
CHANGES ASSOCIATED SYSTEMIC CIRCULATION BYPASS (CEC)
Graziela Silveira Araújo Alves¹, Jeffchandler Belém de
Oliveira²
1 Aluna de Pós Graduação em Circulação
Extracorpórea e Órgãos Artificiais
2 Professor do Curso em
Circulação Extracorpórea e Órgãos Artificiais
_____________________________________________________________
Resumo
Introdução: A
circulação extracorpórea (CEC) possibilitou novas curas em doenças cardíacas,
contudo existem complicações que podem ser desencadeadas durante ou após a
cirurgia. Objetivo: Relacionar as principais desordens
sistêmicas associadas à circulação extracorpórea; identificando os principais
distúrbios hematológicos; definindo as alterações imunológicas do paciente e
correlacionando as implicações renais e pulmonares. Materiais e Métodos: Trata-se de uma revisão da literatura
utilizando bases de dados científicos da SciELO, LILACS e PUBMED abrangendo publicações nacionais e
internacionais no período de 1993 à 2014. Resultados
e discussão: Apesar de toda modernidade o organismo reconhece
o sistema da CEC como estanho, gerando uma resposta imunológica que pode
evoluir rapidamente para uma Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS)
e também uma resposta hematológica através da coagulação sanguínea, sendo
essencial anticoagular o paciente para evitar trombose durante a cirurgia com
CEC, ao tempo, que no pós-operatório, o paciente fica suscetível à hemorragia
por diversos fatores. Problemas renais e pulmonares são comumente observados
após a CEC devido uma multiplicidade de fatores, sendo que alguns casos evoluem
rapidamente para Insuficiência Renal Aguda (IRA), enquanto a disfunção pulmonar
continua sendo a maior causa de morbidade pós-operatória. Considerações
finais: A CEC deve ser usada quando for a única forma de recurso
operatório para pacientes cardíacos, pois existem severas complicações
associadas a esta técnica que aumentam as taxas de morbidade e mortalidade.
Entretanto, há uma complexa
inter-relação do procedimento cirúrgico, da anestesia e da CEC que dificulta
atribuir todas as complicações ao uso exlusivo da CEC.
Palavras-Chaves:
perfusão
extracorpórea; coração-pulmão; complicações sistêmicas.
Abstract
Introduction: The extracorporeal circulation (ECC) has made
possible new cures for cardiac deseases, however there are issues that can be
triggered during or before a surgery. Objective:
Enumerate the main systemic disorders related with the extracorporeal
circulation; identifying the main hematologic disturbs; defining the
immunologic alterations of the patient and correlating the renal and pulmonary
applications. Materials and Methods:
This is a review of the literature utilizing scientific database from SciELO,
LILACS and PUBMED covering national and international publications from 1993
until 2014. Results and discussion:
Despite of all modernity the organism recognize the ECC as strange, generating
an immunologic answer that can be quickly evolve to an Systemic Inflammatory Response Syndrome
(SIRS) and also to a hematologic answer trough blood coagulation,
anticoagulation is essential to the patient to avoid thrombosis during the ECC
surgery, in time, the postoperative, the patient is susceptible to hemorrhage
by several factors. Renal and pulmonary problems are commonly observed after
the ECC due to a multiplicity of factors, and some cases progress quickly to
Acute Renal Failure (ARF), while pulmonary dysfunction remains the largest
cause of death in postoperative. Final
considerations: The ECC must be used when there are no other forms of
operative resources to cardiac patients, because there are severe complications
associated with this technique that increases rates of morbidity and mortality.
However, there is a complex interplay of surgical procedures, from anesthesia
and ECC hindering assign any complications to the exclusive use of ECC.
Passwords: extracorporeal perfusion; heart-lung; systemic complications.
Passwords: extracorporeal perfusion; heart-lung; systemic complications.
Contato:
graziela.araujo@unicesp.edu.br
Introdução
A cirurgia cardíaca
juntamente com a circulação extracorpórea desde o século XX foi umas das
maiores conquistas na área da saúde, pois trouxe um grande avanço na medicina, diminuindo
significativamente o número de óbitos e trazendo a possibilidade para novas
curas em doenças cardíacas18.
Em 1953, John H. Gibbon
realizou a primeira cirurgia cardíaca com sucesso utilizando a técnica de
circulação extracorpórea (CEC). Esse procedimento tem por finalidade assumir a
função temporária do coração e pulmão quando o paciente passa por um processo
cirúrgico cardíaco. Assim, um conjunto de máquinas, aparelhos e circuitos mantém
a circulação do sangue ativo, enquanto esses órgãos ficam excluídos da
circulação52.
De acordo com Lima26 (1997), nem
todos os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca utilizam a técnica da circulação
extracorpórea, pois embora seja um método que melhorou bastante nos resultados,
sabe-se que certos inconvenientes ainda existem, como: reação inflamatória, hemodiluição,
acidente vascular encefálica, morbidade diversa, além do aumento dos custos. Portanto,
quando possível, utilizam-se outras técnicas sem o auxílio da CEC para menor
agressão ao paciente.
Com o surgimento da CEC, apareceram novos
estudos ligados a uma fisiologia diferenciada. Entretanto, estes conhecimentos
beneficiaram não só as cirurgias cardiovasculares, mas também todas as especialidades,
obtendo conceitos para os cuidados dos pacientes durante a realização cirúrgica
e incluindo o subsequente período pós-operatório19.
Infelizmente, uma das principais características dos pacientes
submetidos à cirurgia cardíaca com CEC é a facilidade dos sistemas orgânicos
serem afetados por alterações da função do sistema cardiovascular. Uma
variedade de complicações pode ocorrer após a cirurgia do coração, com
frequência são encontradas: hemorragias, disfunção respiratória, baixo debito
cardíaco, disfunção renal, alterações neurológicas e infecções52.
Dessa
forma, o objetivo deste trabalho foi relacionar as principais desordens
sistêmicas associadas ao uso da circulação extracorpórea; identificando os
principais distúrbios hematológicos; definindo as alterações imunológicas do
paciente e correlacionando as implicações renais e pulmonares do paciente à
circulação extracorpórea.
Materiais e Métodos
Trata-se de uma revisão da literatura com levantamento
bibliográfico utilizando bases de dados científicos da SciELO, LILACS e PUBMED. Os artigos encontrados foram lidos e
selecionados, abrangendo publicações nacionais e internacionais no período de 1993
à 2014.
Os descritores usados para a busca foram: perfusão
extracorpórea, coração/pulmão, alterações sistêmicas.
REFERENCIAL
TEÓRICO
Circulação
Extracorpórea (CEC)
Durante a CEC, as funções de bombeamento do coração são
desempenhadas por uma bomba mecânica e as funções dos pulmões são substituídas
por um aparelho capaz de realizar as trocas gasosas com o sangue23.
Neste
contexto, para entendimento das complicações sistêmicas relacionadas a este
procedimento faz-se necessário à compreensão básica sobre o circuito do sangue
durante a circulação extracorpórea.
Assim,
na CEC, o sangue venoso é desviado do coração e
dos pulmões ao chegar ao átrio direito do paciente, através de cânulas
colocadas nas veias cavas superior e inferior. Por uma linha comum, o sangue
venoso é levado ao oxigenador, reservatório feito de membranas semipermeáveis
para separação do sangue e oxigênio para a realização das trocas gasosas9.
Do
oxigenador, o sangue é bombeado para um ponto do sistema arterial do paciente,
geralmente a aorta ascendente, onde é distribuído a todos os órgãos, cedendo
oxigênio aos tecidos para a realização dos processos vitais, e recolhendo o
dióxido de carbono neles produzido. Após circular
pelo sistema capilar dos tecidos, o sangue volta ao sistema das veias cavas
superior e inferior, onde será continuamente reconduzido à máquina de CEC até
o fim da cirurgia16, 21.
Para a
realização de cirurgias cardíacas com CEC alguns procedimentos foram adotados ao
longo da história para obtenção de melhores, como a hipotermia, o uso de
soluções cardioplégicas e a hemodiluição.
A hipotermia foi
associada à circulação extracorpórea com o objetivo de reduzir as necessidades
metabólicas dos pacientes e, portanto, o seu consumo de oxigênio, oferecendo
proteção adicional ao organismo, especialmente os órgãos vitais, evitando
lesões por anóxia8. Atualmente, é empregada a hipotermia central
que é induzida pelo resfriamento do sangue com água gelada no permutador
térmico do oxigenador, assim através da circulação do sangue frio nos órgãos
ocorre o resfriamento dos mesmos. A reversão da hipotermia, ou seja, o reaquecimento do paciente
se obtém circulando água morna no permutador de calor52.
As soluções
cardioplégicas, ricas em potássio, são usadas para impedir lesões do miocárdio,
levando à parada quase instantânea do coração, sem consumo de energia. Alia-se,
portanto, para proteção do miocárdio o uso criterioso de soluções
cardioplégicas e a hipotermia, para que, após o processo cirúrgico, ocorra à volta ao estado normal da homeostase
metabólica8.
Antes do início da CEC, para preencher o reservatório do oxigenador e os
demais componentes do circuito, processo conhecido como desareação, usam-se
soluções não celulares, de solutos cristalóides ou colóides (chamado de
perfusato ou prime), dessa forma, ocorre uma diluição do sangue. Estudos
mostraram que esta hemodiluição melhora a oxigenação obtida durante a perfusão,
reduzindo a quantidade total de sangue necessária a cada paciente, durante e
após a operação, preservando um maior número de plaquetas, além de reduzir as
perdas sanguíneas pós-operatórias4.
Complicações Sistêmicas Pós CEC
A circulação extracorpórea devido
à multiplicidade de componentes mecânicos e interações com o sangue produz várias
alterações no organismo humano que geram grandes desvios da fisiologia, seja
logo após a saída da perfusão ou no início do pós-operatório 37, 60.
Apesar de toda modernidade da aparelhagem
em uso, quanto maior o tempo de CEC, maiores serão as chances de ocorrerem complicações.
Além disso, as condições intrínsecas como idade, peso, uso de medicações,
doenças de base, entre outros, podem comprometer o estado de saúde final do
paciente. Sabe-se, por exemplo, que pacientes idosos e crianças com idade inferior
a três meses tem piores prognóstico, já que estão em maior risco para a
hipotermia, pois crianças pequenas são mais propensas à dispersão do calor e
nos idosos anestesiados o limite para vasoconstrição está no nível de
temperatura mais baixa que em adultos mais jovens27.
Cleveland15 et al., (2001) relataram uma mortalidade de 2,9% em cirurgias com
CEC e 2,3% sem CEC, além disso, pacientes operados sem CEC apresentaram 10,6%
de complicações, comparado com 14% dos operados com CEC.
Uma
variedade de complicações pode ocorrer, após a cirurgia do coração e dos
grandes vasos, algumas relacionadas ao manuseio anestésico, outras relacionadas
à cirurgia e outras relacionadas à circulação extracorpórea. Com frequência, é
difícil atribuir uma determinada complicação a um procedimento especifico, em
função da inter-relação dos procedimentos na sala de operações. Salienta-se,
portanto, que as complicações mais frequentemente encontradas são as
complicações imunológicas, hematológica, pulmonares, e renais18.
Distúrbios Hematológicos
As disfunções hemorrágicas relacionadas à
CEC invariavelmente esbarram-se nas alterações da coagulação sanguínea, uma vez
que o sangue circula através de tubos e aparelhos que são superfícies não endotelizadas.
E, apesar de serem utilizados materiais compatíveis, ainda assim constituem
superfícies estranhas, capazes de estimular simultaneamente, em maior ou em
menor grau, os sistemas de coagulação e imunológico45.
Ocorre, portanto, um
desequilíbrio da hemostasia sanguínea, sendo que durante a CEC o mais comum é a
ocorrência de eventos trombóticos, enquanto que após a CEC geralmente são
relatados quadros de sangramento.
Assim, durante a CEC, as vias extrínseca e
intrínseca da cascata da coagulação serão ativadas, a primeira através do
contato do fator XII à superfície artificial e a segunda pela liberação do fator
tecidual (FT), ambas culminando na formação de coágulo.
Além disso, quando o sangue é aspirado do
campo cirúrgico e retornado ao circuito extracorpóreo, ocorre uma série de
outros elementos, tais como: fragmentos de coágulos e/ou gordura,
tromboplastina tissular, e resíduos de materiais, aumentando o risco para trombose34.
A CEC induz ainda a alteração
da fibrinólise com diminuição na formação da plasmina, o que favorece ainda
mais o surgimento de trombos45. Dessa forma, a associação destes
fatores indicam a importância da heparinização do paciente logo no início da perfusão,
a fim de evitar a coagulação sanguínea, impedindo-se os eventos trombóticos10,45.
O anticoagulante
heparina é o mais utilizado para essa finalidade, porque tem poucos efeitos
colaterais, sem inconvenientes e existe um antídoto específico, a protamina,
que é usado ao final da perfusão para neutralizar o efeito anticoagulante da heparina,
pois o sangramento pós-cirúrgico pode ocorrer devido o efeito hemorrágico da
heparina. É válido mencionar que a simples neutralização da heparina circulante
mediante a administração de doses adequadas de protamina restaura a atividade
hemostática apenas de forma parcial, não sendo capaz de recuperar imediatamente
as funções hemostáticas dos pacientes submetidos à CEC55.
Por outro lado, há várias causas para o sangramento
pós CEC, tais como: hemodiluição, consumo dos fatores de coagulação, alteração
quantitativa e qualitativa das plaquetas, hipotermia, resposta imune do
hospedeiro na formação do complexo heparina-protamina e hemostasia cirúrgica
inadequada. Alguns pacientes necessitam, portanto, de re-intervenção devido o sangramento
no início do pós-operatório e muitas vezes não pode ser identificada a causa do
sangramento na cirurgia 2, 33.
O paciente durante e após a CEC pode
desenvolver trombocitopenia devido
diversos fatores, tai como: deposição de plaquetas nas superfícies internas dos
tubos, oxigenadores e filtros, resultado da ação da heparina utilizada para a
anticoagulação; redução da capacidade de agregação devido o contato com as
superfícies não endoteliais dos circuitos e aparelhos; efeito dilucional sobre
as plaquetas devido à hemodiluição; além do sequestro de numerosas plaquetas pelo
baço e fígado32.
Segundo
Ascione3 et al. (2001),
em estudos prospectivos com grupos aleatórios de baixo risco pré-operatório, foi
encontrado quadro de sangramento 1,6 vezes maior no grupo com circulação
extracorpórea do que no sem circulação extracorpórea. Ainda foi indicado que menos
de 20% dos pacientes sem CEC necessitaram de transfusão sanguínea, comparado a
mais da metade do grupo com CEC.
Outros estudos mostraram que a
revascularização do miocárdio (RM) sem circulação extracorpórea apresenta
vantagens em relação à RM com circulação extracorpórea, em relação ao menor
sangramento no pós-operatório e menor necessidade de transfusão de concentrado
de hemácias, minimizando os fatores mórbidos e custos hospitalares2,3.
Por isso, atualmente, as cirurgias de RM estão sendo feitas sem CEC.
Sabe-se que aproximadamente cerca 10 a 20% dos pacientes que
se submetem a CEC apresentam sangramento excessivo logo após a cirurgia, ou
seja, cerca de 5 a 10% necessitam nas primeiras horas logo após a cirurgia de reposição
sanguínea7.
De
acordo com Souza52 et al.
(2006) a complexa interação de diversos fatores (hemodiluição, hipotermia,
trauma da perfusão, interação das plaquetas com as superfícies não endoteliais,
deposição do fibrinogênio nas cânulas, redução do número e da atividade das
plaquetas circulantes e liberação de um número de substâncias ativadoras das
plaquetas) favorecem a ocorrência dos distúrbios da hemostasia e da coagulação.
Além das próprias alterações hemorrágicas
citadas, a CEC promove também hemólise devido, principalmente, ao desvio da
circulação normal pelo uso de cânulas que formam centros de turbulência e
também pela calibragem inadequada das bombas de roletes do sistema. Contudo,
para equipes cirúrgicas que utilizam o reservatório de cardiotomia ou
sistema de sucção cardiotômica, responsável por aspirar o sangue extravasado no
campo operatório, esta prática constitui a maior causa de hemólise, pois quando
o ar é aspirado com sangue através do aspirador ocorrem danos às células
vermelhas13,61.
A hemólise acentuada
culmina em quadros de hemoglobinemia e hemoglobinúria, que pode influenciar a filtração
glomerular por obstrução dos glomérulos, gerando um quadro de insuficiência
renal41.
Alterações Imunológicas
Quando o coração permanece sem sangue
durante a CEC, ou seja, parado instantaneamente, associado à interação com
materiais estranhos ao organismo ocorre consequentemente a ativação da resposta
imunológica com possível repercussão para complicações futuras10.
O
sangue ao entrar em contato com as superfícies artificiais do circuito da
perfusão ativa o sistema complemento, bem como a resposta inflamatória. Com o
sistema complemento ativado são liberadas as anafilatoxinas C3a e C5a que
estimulam a produção de citocinas e vários mediadores do processo inflamatório.
Além disso, os leucócitos serão também ativados pelo grande poder quimiotático
dessas anafilatoxinas, com
consequente vasocontrição e aumento da permeabilidade vascular, gerando edemas34,
47, 59.
Nesse processo também é ativada a
coagulação sanguínea e o aumento da adesão dos neutrófilos às células
endoteliais, sendo este um
pré-requisito essencial a todos os processos que conduzem à injúria tecidual12.
Assim,
os neutrófilos são ativados e liberam substâncias que contribuem para a
formação da reação inflamatória generalizada. Durante a perfusão, os
neutrófilos tendem a se acumular nos pulmões, onde seus produtos tóxicos
produzem aumento da permeabilidade vascular e edema intersticial. Além disso,
os demais leucócitos ativados liberam radicais livres de oxigênio que em
determinadas circunstâncias podem produzir oclusão microvascular36.
Essa
cascata de reações inflamatórias constituem a Síndrome de Resposta Inflamatória
Sistêmica (SIRS) podendo ser manifestada em menor
ou maior grau, sendo mais evidentes e deletérias em idosos e neonatos19.
A
SIRS
também denominada de síndrome pós-perfusão, apresenta características clínicas
muito semelhantes ao choque séptico. Clinicamente a SIRS pós-CEC se caracteriza
pelo comprometimento das funções pulmonares, renais, cerebrais, cardíacas,
presença de febre, taquicardia, hipotensão arterial, leucocitose,
coagulopatias, suscetibilidade às infecções, alteração da permeabilidade
vascular levando ao acúmulo de líquido intersticial, vasoconstricção e hemólise44.
A frequência das
manifestações clínicas de SRIS após a CEC varia entre 22% e 27,5%, ainda que
tenha sido avaliada por diferentes métodos15. Em um estudo de 1993
foi relatado a incidência de 27,5% de SRIS em crianças no qual o critério
diagnóstico utilizado foi adaptado da definição de SRIS em pacientes clínicos50.
Em cirurgias de RM foi observado a SIRS como uma resposta
protetora do organismo em torno de 11%, com uma alta taxa de mortalidade de 41%30.
Outro dado relevante, é que a CEC é
seguida da Síndrome de Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) com frequência de
0,4% em população adulta, sendo que há uma alta mortalidade associada17, 33.
Segundo
Torrati57 et al. (2012) a CEC
produz uma resposta inflamatória sistêmica em razão das alterações na
permeabilidade vascular e à diminuição na pressão oncótica, com liberação de
substâncias que prejudicam a coagulação e a resposta imunológica, acarretando
algumas complicações no período pós-operatório imediato.
Em alguns pacientes, a
resposta exacerbada do sistema de defesa do organismo ocorre devido à liberação
de substâncias com efeito vasodilatador, como a bradicinina, sendo que sua ação
paraliza a vasculatura arteriolar, complicando a saída da perfusão34.
Devido seu mecanismo vasoativo ocorre aumento
da permeabilidade vascular e vasodilatação arteriolar, favorecendo o
extravasamento de líquidos para o interstício, sendo que a bradicinina
permanecerá elevada durante a CEC, pois seu sítio pulmonar de metabolização
está excluído do processo47.
Alguns pacientes podem desenvolver
resistência à heparina ou ainda reações de hipersensibilidade desencadeadas
pelo complexo heparina-protamina, agravando as respostas protetoras do sistema
imunológico25.
Um estudo comparativo sobre a RM com e sem
a CEC identificou uma resposta inflamatória, através do aumento das
concentrações da Proteína C Reativa (PCR) e fibrinogênio 24h após o
procedimento. Sendo que a RM com CEC apresentou evidências bioquímicas de um
estado pró-trombótico precoce após a cirurgia, porém, sem evidências do aumento
do número de eventos trombóticos. Este estado pró-trombótico pode ser
consequência do circuito extracorpóreo, resposta compensatória ao sangramento
ou a ambos39.
Vale ressaltar que a resposta inflamatória
desencadeada pela CEC é significativamente menor quando o tempo de perfusão é
inferior a 70 minutos62.
Alterações
Renais
A insuficiência renal no período pós CEC é
um evento grave que está relacionado à elevada taxa de mortalidade e morbidade.
Apesar de toda evolução da tecnologia na circulação extracorpórea, a
insuficiência renal continua apresentando alta na incidência, sendo o
desenvolvimento dessa complicação complexo e multifatorial54.
Nos primeiros instantes da CEC é comum o quadro de hipotensão
devido uma multiplicidade de fatores como: a redução do fluxo de perfusão, a
hemodiluição com redução da viscosidade do sangue, e o aumento do vasodilatador
bradicinina. Após este período, o organismo começa uma resposta compensatória que,
com frequência, resulta em hipertensão. Assim, a vasoconstrição produzida pela
hipotermia, a elevação da resistência vascular sistêmica e a ausência de
pulsatilidade na circulação contribuem para esta resposta hipertensiva52.
Contudo, como consequência da vasoconstrição renal, ocorre uma
redução do fluxo sanguíneo renal, predispondo os rins à isquemia e injúria. Dessa
forma, a energia disponível para os mecanismos da atividade renal normal fica
reduzida, inviabilizando as funções reabsortivas e secretórias renais58.
Além disso, a hemodiluição com soluções cristalóides, quando em
excesso, predispõe o paciente a formação de edema, devido a redução da pressão
coloido-osmótica do plasma, diminuindo a reabsorção nos capilares peritubulares,
o que resulta em uma diurese aquosa e rica em eletrólitos, podendo culminar num
desequilíbrio hidroeletrolítico48.
A hemólise ocasionada na CEC produz vasoconstrição pela liberação
de produtos vasoativos do interior das células e por ser uma molécula grande, a
hemoglobina é filtrada com dificuldade e pode se cristalizar nos túbulos renais,
causando obstrução e necrose tubular41, 46.
Alguns outros fatores também são
responsáveis pela produção de disfunção renal, como doença renal
pré-operatória, incluindo o emprego de agentes nefrotóxicos, isquemia renal, vasoconstrição
severa, hemodiluição extrema e hipotermia profunda54.
Em pacientes idosos o risco de desenvolver
distúrbios de insuficiência renal aguda é mais frequente, pois esse grupo de
pacientes na maioria das vezes vem acompanhado de outras doenças como: diabetes,
reserva renal marginal, doença vascular periférica, e febre reumática. Então, para
uma medida preventiva é importante adicionar manitol ao perfusato, com o
objetivo de proteger contra a injúria isquêmica do tecido renal57.
Contudo, há várias evidências de que os efeitos
deletérios da circulação extracorpórea sobre os rins, incluindo a produção de insuficiência
renal aguda, estão relacionados ao tempo de duração da perfusão. Isso foi
comprovado no estudo de Taniguchi54 et al., (2007) que identificou a influência negativa do tempo de
CEC na função renal pelo aumento da creatinina sérica, da variação da
creatinina sérica e maior incidência de diálise em pacientes com tempo de CEC
maior que 90 minutos.
A insuficiência renal em cirurgia
cardíaca com CEC tem uma incidência variando de 3,5% a 31,0%, com elevação da
taxa de mortalidade de 0,4% a 4,4% para 1,3% a 22,3%; sendo que a necessidade
de terapia dialítica acha-se presente em 0,3% a 15,0% dos casos, e nestes, a taxa
de mortalidade atinge 25,0% a 88,9%26.
As cirurgias cardíacas
com o auxilio da CEC apresentam algumas implicações típicas, sendo algumas
maiores e mais prevalentes do que outras. Dentre elas está incluída a
insuficiência renal com o processo de evolução para a insuficiência renal aguda
(IRA) que ocorre em média de 7% a 30%. Acredita-se que fatores genéticos como
aterosclerose, diabetes e até mesmo hipertensão arterial sistêmica possam
contribuir na disfunção renal logo no pós operatório56.
Alterações Pulmonares
Nos últimos anos, devido o avanço
e a sofisticação dos equipamentos e das técnicas de perfusão, houve uma redução
das complicações pulmonares. Entretanto, ainda constituem a causa mais
significativa de morbidade no pós-operatório com evolução tão rápida que resiste
a todas as medidas terapêuticas48.
O paciente submetido a uma cirurgia do
coração com CEC normalmente apresentará um grau de disfunção pulmonar com
diminuição da capacidade residual funcional dos pulmões. Ocorre nos pulmões um aumento no extravasamento de água para
o interstício causado pelas células inflamatórias, com preenchimento alveolar,
levando à inativação do surfactante e ao colapso de algumas regiões, e redução
na capacidade pulmonar. Além disso, a exposição à hipotermia durante a CEC
também afeta a função pulmonar negativamente, causando prejuízo para o
endotélio pulmonar14.
Outro
fator que contribui para a disfunção pulmonar pós CEC são as doses de
anestésicos e sedativos que comumente deprimem a ventilação pulmonar, reduzindo
a capacidade residual funcional em torno de 20%6,49. Dessa forma, quando alia-se o trauma mecânico da
perfusão à anestesia, a
função pulmonar e a oxigenação estão prejudicadas em 20 a 90% dos pacientes
submetidos à cirurgia cardíaca com CEC42.
Assim, a fisiopatologia
da disfunção pulmonar é multifatorial, ocorrendo a combinação referente aos
efeitos gerados pela anestesia, incisão cirúrgica, tempo de isquemia, trauma
cirúrgico na circulação extracorpórea, e ativação do sistema imunológico. Estes
fatores apresentam grande relevância sobre o aparecimento de
complicações respiratórias no pós-operatório de cirurgia cardíaca 5,24,40.
Várias complicações
pulmonares surgem no pós-operatório de uma cirurgia cardíaca, dentre elas
destaca-se a atelectasia com média de incidência entre 60% a 90% dos casos,
sendo um número 6 vezes superior às cirurgias cardíacas sem CEC20, 40.
A atelectasia pulmonar é uma das
principais causas de hipoxemia que ocorre no pós-operatório com CEC, causando
uma redução nas trocas gasosas e acarretando em problemas pulmonares como:
compressão do parênquima pulmonar, a absorção do ar alveolar e comprometimento
da função surfactante 6,51.
Dentre
todos os órgãos afetados pelo ato cirúrgico pós CEC, o pulmão tende a ser o
mais comprometido. Embora ocorram vários fatores associados ao aumento de água
intersticial, o mais importante é a deposição de neutrófilos na microcirculação
pulmonar, principal local de sequestração dos neutrófilos ativados. Essas
células liberam enzimas lisossômicas e radicais livres de oxigênio, ocasionando
lesão endotelial direta e alterando a permeabilidade vascular, com consequente
acúmulo de água no interstício pulmonar47.
Estudos
mostram a CEC como uma das principais causas para o prejuízo pulmonar devido ao aumento
da resistência da via aérea e possível aumento da disfunção diafragmática, sendo
que toda cirurgia cardíaca gera danos pulmonares, contudo na CEC é maior24.
Contudo, o estudo de Montes34
et al., (2004) relata que não houve
diferença significativa da função pulmonar, 72 horas após a cirurgia, de
pacientes operados com e sem CEC, sendo que em ambos teve uma redução.
Muitos estudos revelam que o tempo
de permanência em sala cirúrgica é maior nos pacientes que utilizaram a CEC 22,28,43,53..
Sendo que alguns autores ainda afirmam que os pacientes que utilizam a CEC
criam maior dependência de ventilação mecânica no pós-cirúrgico1,38.
Entretanto, este assunto ainda é controverso, pois existem dados que mostram
não haver diferença significativa quando comparados grupos com e sem CEC. Da
mesma forma, alguns dados indicam não haver diferença na média de tempo para
extubação entre pacientes operados com e sem CEC 11,29.
Considerações Finais
Mesmo com a grande evolução da
CEC ao longo de seus mais de 50 anos de história no Brasil, ainda existem
muitas implicações observadas ao uso desta técnica, que apesar de ser a única
forma de recurso operatório para muitos procedimentos cardíacos, pode repercutir
em severas complicações, sendo estas responsáveis pelo
prolongamento do tempo de internação com aumento dos custos hospitalares, além
de importante causa de morbidade e mortalidade.
Em cirurgias de grande porte como as cardíacas
existe uma complexa inter-relação do procedimento cirúrgico em si, da anestesia
e da CEC (principalmente em relação ao tempo de cirurgia), além de fatores
relacionados ao paciente, como idade, doenças pré-existentes, entre outros, sendo,
portanto, questionável a etiologia das alterações sistêmicas